terça-feira, 28 de junho de 2011

Banho tomado junto é
peça fraternal do mais íntimo contato.
Quando de água e de carícias ensopado
meu banheiro corpo água
corpo espuma água corpo
 corpo corpo.

Quatro mãos lavam dois corpos
e, sob a doçura do mais intenso possuir mútuo,
a espuma escorre dos cabelos pelas
barba pescoços seios barrigas virilhas joelhos.

Tudo é morno e úmido
como um útero
para quem se banha em água
que tem a espessura do afeto.

(Marcos Cruz)

domingo, 26 de junho de 2011

PEDRA

Eu gostaria de ser esta pedra
ah, como me agradaria sê-la.
Um pedregulho que não sente nem pensa
e não existe, portanto, no eusser
da pequeneza cartesiana.

Tão somente send'eu a pedra
não me haveria cisco nas retinas
nem fadiga em arrancar cotidianamente
                       a pedra do meu sapato.

É de nojo e niilismo que termino
esse poema,

porque não há dentro de mim
                                pedra
                       sobre pedra.

(Marcos Cruz)

sábado, 25 de junho de 2011

Se deves recolher rosas
com espinhos,
comemora!
Há quem as tenha visto antes;
mas que, por medo,
fosse embora.

(Marcos Cruz)

sábado, 18 de junho de 2011

TRÉPLICA

Eu não quis ser o seu
dominador, nem seu amor
nem nada mais;

meu crânio comprimido
nunca te pediu
confirmações;
meu peito esbaforido
nunca te pediu
promessas;

confesso que tive em ti
uma dona
e me agradaria ser cuidado
tão somente um tão pouco,

ter sido seu
bichinho de estimação.

(Marcos Cruz)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

RÉPLICA DE IAIÁ



O
que falo me contenta?
O
que falo me supre?
O
que falo me faz plena?
Pergunto do
que falo
porque sabes bem que
eu nunca te fiz
promessas.

Sou a mulher que não é musa
nem nunca seduziu ninguém;
só procuro por outra carne
por ser de carne
e, enquanto a carne se sacia na carne,
também eu me sacio.

Eu não faço juras de amor
porque não amo ninguém
caso contrário o faria;
quanto a tu, não digas me amar:
se me amas, venha sofrer as regras ou parir
em meu lugar!
Quando isso for possível
aí eu acreditarei em amor...

O teu espanto
é o teu machismo,
insensato protótipo de reprodutor,
- já que, às vezes, mal é capaz de
prover a própria prole –
porque nunca esperas
ser devorado pela própria presa.

Eis que não sou presa,
nem me prendo: sou
arara que alça vôo sem amarras;
peixe que mergulha em mar ressaqueado;
paca que se embrenha em mato denso;

arara peixe paca
peixe paca arara
paca arara peixe

julgas-te pescador?
julgas-te caçador?
julgas-te passarinheiro?
se o fosses, eu de minha vez
seria a tempestade.

(Marcos Cruz)

Tinha um gato gatuno
que vivia na casa de Iaiá

e de seu banho se lambia todo
como eu lambia lentamente
o corpo moço de Iaiá

e no canto da sala adormecia
contorcido
como eu me contorcia
noite a dentro noite fria
pelas pernas de Iaiá

e seu miado faceiro
véspera do afago lisonjeiro
que o corpo todo alisa na pele alheia
como os nudos afagos que eram de Iaiá.

Mas Iaiá é uma rata
tal qual cadela no cio
que não ama um homem só.

(Marcos Cruz)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

De minha pele desprendem-se
bolhas de sabão que pelo vento
trafegam na direção dos seus olhos
irritando-os
e
eclode, pois,
no toque com seus cílios
o desenho de mim
que mostra a intensidade
com a qual
te pertenço.

(Marcos Cruz)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

NAS CANCELAS DA TERCEIRA PONTE

Eu sou quinhentos,
sou quinhentos-e-cinqüenta.

Eu sou quinhentos,
sou quinhentos-e-cinqüenta
espremidos no 507.

Eu sou quinhentos,
sou quinhentos-e-cinqüenta
reprimidos pela polícia.

Eu sou quinhentos,
sou mais de quinhentos
quando minha garganta se solta
sou três-mil-quinhentos-e-cinqüenta
fechando ruas e abrindo caminhos
exprimidos num grito de revolta.

(Marcos Cruz)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

BEIRA MAR

O branco da
onda se espalha
pela areia.

Olhos fixos para o
verdeazul
e entendo que o mar
está agitado porque faz março
no meu peito.

Tento, inutilmente,
pensar num verso
mas me lembro que
um ilustre português
já comparou o sal
das lágrimas com o sal
do mar;

e, em silêncio, me queixo
como se queixa um menino
a morte de seu passarinho.

(Marcos Cruz)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

EPITÁFIO

Meu verso é híbrido
meu verso é líquido
               é sangue.
Tristeza que dilata o riso
            que dói.

Meu verso é parnasianossimbolista comedido
é dadaíst'expressionista meio desequilibrado
meu verso é cubistaconcreto zulejado e rejuntado.
Meu verso é modernista
                           à pós.

Jaz aqui por isso mesmo
a nomenclatura do meu verso;
eia, pois, a forma do meu desejo.

(Marcos Cruz)